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Coisa bem velha o Ano Novo, hein?

É, acabou o ano. Acabaram-se todos os 12 meses e todas as previsões que não se concretizaram. Acabou meu copo de cerveja, acabaram-se todos os meus cigarros e acabou o final do talão de cheque. Acabaram-se os meus amores, meus desesperos, minhas fraquezas e todo o meu álcool. Acabou mais um conto de um ano indeterminado.

Papai Noel não veio, o coelhinho da Páscoa não apareceu e nem a mulher perfeita bateu à minha porta. Deixei mil coisas pro ano que vem, que, provavelmente, também não farei no ano que virá. Perdi promessas de amigos e ganhei um monte de pessoas interessantes. Aprendi e essencialmente, desaprendi. Vi pessoas felizes, tristes, chateadas e radiantes: todas elas em todas as pessoas. Vi as pessoas viverem das formas mais variadas: há os que se lamentaram o ano todo, os que sentiram auto-piedade em cada segundo, os que fingiram a felicidade extrema, os que sobrepuseram a vontade acima do orgulho, os que ousaram e se deram bem e os que ousaram e se deram mal.

Enfim, nesse ano que passou houve vida latente, assim como em todos os outros anos da minha existência. E, afinal, garanto que 2009 não será diferente. Será triste, feliz, arcaico, tecnológico, sexual e primário. Será bêbado, cheio de culpa, bizarro, engraçado e infeliz. Será jocoso também e terá pitadas de obscenidades, escuridão, metáforas sem sentido e estupidez irrelevante. Será o ano da esperança, da mudança de vida, da grande viagem, do amor eterno e da saúde plena. Enfim, todos os anos são iguais. Os mocinhos morrerão, os bandidos também e até alguns da platéia irão dessa pra uma pior. Algumas bundas e seios cairão e alguns paus deixarão de subir. Tudo na mais absoluta normalidade.

Se por algum motivo não acontecer nada disso, ou acontecer coisa pior, me desculpe a imprecisão, mas, de alguma forma, estarei sorrindo e feliz com todas as coisas do meu cotidiano infalível.

Eu, que te conheço bem, sou suspeito pra dizer, mas garanto do alto da minha prosopopéia:

Você aí terá um ano difícil, cansativo, cheio de segundas-feiras chatas, terá brigas, discussões e um caminhão de arrependimentos. Terá decepções, ressacas (morais e patológicas), chateações e pinceladas de depressão. Mas não se desespere. Garanto que coisas boas também acontecerão na medida exata do que você procura, pois a felicidade total não dá ibope e é irritante. Garanto que numa sexta-feira qualquer do ano você se sentirá plenamente feliz e verá as coisas como elas devem e precisam ser vistas. Aprecie com moderação esse sentimento.

Um Ano Novo cheio de destino e de sexta-feiras felizes pra você aí, ó!

Whatever New Years’ promises.

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Horizontes

Aconteceu há alguns dias. A imensa baía de Santos salta aos olhos de uma maneira cada dia diferente. De manhã cedo o cinza da areia se mistura com o emanar da luz natural, enquanto o céu faz seu trabalho de pintar tudo de azul. Beira-mar, com ondas bem pequenas, os pés são sobrepostos pela água, enquanto pequenos barcos enfeitam, ao longe, o cenário cada dia mais bonito. Na silenciosa entranha dessa paisagem, os tons de verde sobre a água reluzem o amanhecer e o horizonte tórrido e infinito desmistifica a lonjura de um inabalável silêncio. O cheiro da praia é outro nas manhãs. As pessoas que passeiam têm parte do rosto ocupado por olhos iluminados e outra parte escondida pela sombra, como se ainda buscassem um espaço no travesseiro há pouco abandonado. Conforme os raios se tornam mais intensos, mais intensas começam a ser as pessoas. Nas pegadas deixadas sobre a areia, numa confusão sem direção, são desenhadas histórias, nomes, corações e sentimentos. A praia, inerte e quintal do mundo, sorri todas as manhãs, dando preferência a dias claros e com pouca nuvem. Ao cair sobre o mar, as tardes se estilhaçam e o dia nos mostra sua tristeza, num lusco-fusco que quase chora. No vazio do crepúsculo terrestre, esse alarido misterioso de cores inimagináveis se transforma num sossego letal. E a areia fica fria, a água um pouco mais crespa e branca, as pessoas mais ríspidas e cansadas e a paisagem mais vazia e solitária. E, enfim, a noite nos tapa a cara. A partir desse momento não olhamos mais pra ela com o mesmo fulgor e paixão. Não olhamos mais para o mar. Não olhamos mais para a areia. Mas, mesmo na profunda escuridão da noite, temos a certeza consoladora de que outros dias virão, cada vez mais inconfundíveis.

Whatever sunny

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Resquícios

São sete horas da manhã de uma manhã com chuva. Chuva e ressaca de um sono adiado por sete horas. Há sete dias que bebo sem parar, como se eu tivesse sete fígados ou sete vidas. Nunca gostei de números ímpares, pois acho a divisão perfeita imprescindível. Naquela manhã minha cara estava mais perto do chão, mais perto do lugar que melhor me ampara. O lugar, aqui pra mim, é o meu chão, meu lugar onde os pés se sentem mais perto do descanso. Logo ali, fica o mar, espraiado com seu contorno de areia que suja tudo sem deixar limpo nem sequer o próprio grão. E nem a água limpa o continente. Vi as cores do amanhecer. Minha têmpora de veias saltadas, meus olhos vermelhos e distantes permanecem abertos incessantemente sob a luz de sete sóis e sete luas. O sono me transborda, me acorda e me deixa ver o que madura cedo. Vejo flores e vejo também a trêmula chama quase sem fôlego que abasta uma breve fogueira. Num segundo plano minha memória justa emerge tesa e não me detalha. A cidade agora está paralela a mim, sob esse efeito que parece não ter fim. Não sou mais perpendicular. Nessa manhã descobri que nem a ciência progride e alcança minha matemática bêbada. Um, dois ou sete pontos de apoio não me serão suficientes para sustentar e entender que crescer dói. E dói pra caralho. Dói sete vezes mais que tentar dormir e não conseguir. Sou minha melhor caricatura.

Whatever cartoon

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Impressão

Não me sinto velho, senil, nem muito menos caquético. Sou um moribundo de poucos cabelos brancos que continua a insistir em meu bem estar. Nos meus passos de poucos centímetros vejo a vida passar em duas ou quatro rodas, enquanto o amanhecer exalta o meu câncer de família. Minha tosse crônica ainda persiste ecoando em muitos tons dentro de minha caixa torácica, mas, mesmo velho, ainda retorço meu pescoço olhando a bundinha da menina que passa e rebola de graça a caminho do mar. Não trepo há anos. Continuo ‘step by step’ sendo o escroto que sempre fui, exalando o cheiro de perfume barato que comprava na quitanda do japonês da esquina da minha casa. Tenho três filhos. Um está preso, um é médico e a outra deve ser puta. Minha mulher é feia, chata e não me agüenta mais. “Uma santa”. Meu ‘shorts’ curto revela minhas varizes e minha meia esgarçada denuncia minha podridão. Fiquei velho e, às sete da manhã, vejo o mundo passar com meu olhar cercado por pés-de-galinha. Peço ao mundo mais alguns anos, meses ou dias de vida. Anos, meses ou dias que permanecerei reclamando e fazendo da nostalgia meu melhor esporte. Distribuo conselhos a torto e a direito, mais torto do que direito. Uso óculos, tomo um monte de remédios, tenho vícios incuráveis e passo as minhas horas tentando ser lembrado de algum jeito. Minha camisa traz os dizeres “Não maltrate o bêbado. Leve-o para o primeiro bar que encontrar”.

Poucos minutos atrás, assolado pela madrugada, sentei no banco da praia e tomei uma cerveja com este homem. Este apenas resumiu, em palavras disléxicas, boa parte do teor da conversa.

É incrível como um simples gesto ou um pouco de atenção pode ser cativante.

Whatever drunk people

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