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Estranho texto

Quando eu era menina as coisas eram mais fáceis. Eram mais singelas, como as bonecas que passeavam pelos corredores da casa dos meus pais. Eram mais simples, como os cachorros que latiam pra mim enquanto eu dançava as danças mais sem sentido que já dancei na vida. Eram mais crédulas, como os passeios que dava com meus pais pela praia, de mãos dadas e sentindo a maior segurança do mundo naquele gesto.

A noite era só mais um momento da vida e não a espera de um novo começo ou de uma nova oportunidade. Minha ansiedade era tola e banal, sem preocupações e sem rugas. As manhãs eram mais alegres e tinham o sabor que os outros dizem que devem ter hoje e, nem sempre, têm. A alegria criança é mais forte que a alegria adulta, apesar de menos intensa. A felicidade adulta é mais complicada do que a felicidade criança, onde coisas improváveis podem trazer felicidade instantânea.

Quando era menina a morte não me habitava. Não morava em mim as comparações, a beleza, a vaidade ou a inimizade. Vivenciava a vida plena, estéril de outros sexos e era capaz de contemplar, sem culpa, uma enorme e saborosa bomba de chocolate. Era capaz de ser chata sem me dar conta disso. Não precisava de bom senso e só agradava quem eu queria. Não ligava pros meus cabelos, para as sujeiras que habitavam minhas unhas ou para a maquiagem que ainda insisto em usar pra cobrir minhas falhas. Eu não tinha falhas quando era menina e nem tinha consciência da falha dos outros. Inocência? Sim, sem dúvida.

Tudo mudou naquele maldito dia em que me sangraram as entranhas. Foi nesse dia, à noite e quase sozinha na praia, que fugi do balanço e saí correndo pra deixar de ser criança. Não sabia que as coisas seriam assim. Não sabia que naquele momento eu deixava pra trás uma época que ainda queria viver hoje. Maldito balanço. Bobo e feio.

Whatever gender

Foto: Fernanda Tralalá

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Shazam!

Surgiu no palco, em meio às luzes, o mágico com a sua cartola longa e seu smoking preto. Coisa tradicional, puro estereótipo do que conhecemos por mágico. Número após número, o sagaz homem fazia de bobo todos os que olhavam e admiravam aquilo que parecia coisa do outro mundo. A “mágica” é a prova irrefutável de que fomos feitos para acreditar na mentira. Todos sabem que nada daquilo é verdade, mas a admiração e a credibilidade de alguém em cima do palco nos dá essa dura e muita vezes errônea impressão. Assim como na vida.

Nunca gostei de mágicos. Sempre os achei uma espécie de palhaços do mal. A minha curiosidade só me permitia tentar achar qual era o erro nas mágicas. Qual era o ponto que ninguém percebia – onde estava o exato ponto que eles nos passavam pra trás. Nunca descobri muito coisa.

Nunca gostei de ser burro. Quando alguém te faz de idiota é porque encontrou oportunidade pra isso, né não? E pra mim, assistir ao mágico é uma forma de me tornar burro e me deixar ser feito de idiota. Por isso nunca fui de fumar maconha, nunca tive ídolos e nunca falei mais do que devia. Não que isso deixe as pessoas burras – por favor! -, mas pra mim nunca funcionou do jeito que deveria. Nunca consegui ter tranqüilidade para apreciar essas coisas, pois nunca me permiti aceitar as coisas como elas deveriam ser, apesar de querer. Sempre fui o menino chato que pergunta tudo e quer ouvir tudo, assim, sem mágica. Gosto da realidade das coisas, sem muita fantasia. Mesmo porque a minha cabeça é a maior fantasia e o maior conto de fadas que alguém possa imaginar.

Quando pequeno – criança mesmo! – minha mãe me deu um caixa de mágico. Tinha uma varinha de condão, uma capa, uma cartola, um baralho cheio de truques e um manual de como fazer as mágicas. Essa provavelmente tenha sido a primeira coisa que li de verdade. Uma ironia foda da vida.

Essa caixa de mágico, a qual me lembrei hoje, me trouxe uma verdade incrível e que não pensava há muito tempo. A gente só acredita nas coisas por dois motivos: inocência pura – como era o caso – e a vontade de acreditar, seja lá por qual motivo – que o caso de hoje.

Minha mágica, a qual acredito piamente, é transformar em realidade os meus sonhos e crenças. Creio estar longe – físicamente – dos meus sonhos e sonho, todos os dias, estar cada vez mais perto da minha crença.

Abracadabra? Whatever…

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Like a child!


É, eu também tenho medo. Eu também me escondo atrás das mãos, como se isso me desse alguma proteção. Eu também olho assim, entre os dedos, procurando uma saída para o medo ou alguém pra compartilhar o meu segredo. Meus olhos tremem, semicerram-se e meu coração parece bater nos lábios. Meu corpo esfria, sua e aquece a palma da minha mão. Minha decência se esvai, minha sinceridade se aproxima, meu ego some. Minha alma já não é mais minha, assim como o meu “eu” já não é mais de ninguém. Eu continuo precisando crer naquilo que se cria. Preciso controlar minha inimaginável covardia. Nesse entrelaçar de dedos perante meu rosto que garante meu salva-guarda de maturidade, minha testa franze, meu cabelo molha e meus olhos olham pra dentro de mim. E tenho medo do irrefreável e do desconhecido e também daquilo que freia e de quem eu conheço. Não sou mais criança e meus medos também cresceram e ficaram mais onipotentes perante meu modo de pensar. Não sou mais tão frágil e nem tão digno de pena, mas evidencio em cada cena aquilo que me faz mal. Não saio mais correndo e nem faço barulho pra pedir ajuda. E não o faço por puro orgulho. Tenho ânsia de resolvê-los, revolvê-los e revivê-los cada vez mais naturalmente.
Por isso – vez em quando -, tiro as mãos da frente da cara, as ponho no bolso e dou um passo atrás do outro em direção daquilo que mais temo. É burrice, eu sei, mas é burrice ter medo?

Whatever hidden

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